sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Difícil vida fácil

Quando falamos de prostituição, imediatamente remete-se à idéia de dinheiro fácil, a vida sem muito esforço. Puro preconceito enraizado da nossa sociedade, moralista, machista e hipócrita.

É comum aos homens pensar que estamos ali apenas para saciar seus prazeres, mal sabem o quanto sofremos e o quanto gostaríamos de não estar ali, de ter um outro emprego, no qual pudéssemos ser reconhecidas, ter um outro futuro. Quem gostaria de contratar uma mulher que já foi prostituta? Pouquíssimas pessoas, e esse é o porquê de não conseguirmos sair com tanta facilidade da prostituição.

A prostituição é um trabalho como outro qualquer, porém é mal visto pela sociedade, o que é ridículo. Se ele não existisse, eu e muitas outras mulheres provavelmente estaríamos na rua passando fome. A mulher é discriminada pela sociedade, não tendo tantas oportunidades de trabalho quanto os homens, sendo sempre remuneradas de maneira pior. Se as prostitutas não existissem, milhares de mulheres estariam desempregadas. Somos nós que sustentamos muitas das famílias, que colocamos comida na mesa de milhares de crianças.

Este trabalho nem ao menos é regularizado, não somos registradas, não recebemos INSS e muito menos aposentadoria. Para o governo, simplesmente não existimos.

Com a falta de escolaridade, é quase impossível uma recolocação no mercado de trabalho.

Comecei na vida aos 10 anos de idade, obrigada pelos meus pais a trabalhar, larguei os estudos e deixei minha vida de lado. Eu procurei em muitos lugares, porém nunca era aceita. Sem estudos, sem qualificação profissional, ficava muito difícil, me tornar uma prostituta não foi uma escolha, foi minha última opção. Meus pais até hoje não sabem que eu sou uma prostituta.

Como disse, vida de prostituta não é nada fácil. Somos marginalizadas pela sociedade, eu escondo a profissão de familiares, vizinhos, antigos amigos etc. Sempre presa a mentiras para sustentar a minha fonte do “dinheiro fácil”, minhas redes de relacionamentos sociais não são muito amplas. E eu não pratico religião, Por que não considero minha vida correta.

Nós, as garotas que trabalham, seja na zona, seja nas boates, seja no porto, levamos uma vida cheia de percalços. Convivemos com a concorrência, o medo de agressão por parte dos clientes, do cafetão e da polícia, as drogas, DSTs – entre elas, o HIV – e o preconceito da família e toda a sociedade.

Por trabalhar no porto, meus clientes são geralmente marinheiros, marujos, estrangeiros, transeuntes. Estou sempre à mercê de clientes bêbados, drogados, violentos, agressivos. Estou sujeita a xingamentos de quem passa por ali, não tenho meios de me proteger.

E não há como negar, a maior preocupação é com a AIDS. Ainda existem garotas que não se importam em não usar camisinha. Simplesmente olham um cliente, acham que ele é saudável e tudo bem. Mas importância pelo uso do preservativo é conhecida por todas nós, devido à ampla campanha de conscientização.

Santos carregava o estigma de ter a mais alta incidência de AIDS (fonte: Ministério da Saúde, Programa Nacional de DST/AIDS). Hoje, devido a programas como o Projeto Intervenção, que baseia-se em nos conscientizar quanto ao uso da camisinha, Santos está em 9º lugar, segundo dados de pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde. Mas de que adianta nos conscientizarem, se nós já entendemos isso. Agora expliquem a esses homens prepotentes, porque eles não aceitam o uso de preservativo, e dizem que é menos prazeroso.

Hoje em dia eu não aceito mais, se o homem não quer usar o preservativo, que vá procurar outra, eu já cheguei a recomendar uma amiga minha que fazia programa sem preservativo, mas ela ficou com AIDS. Eu é que não quero ficar como ela.

Eu sofro demais com o meu trabalho, não vejo mais a minha família, moro em um quartinho, que divido com três colegas de trabalho, e mando uma pensão aos meus dois filhos, que estão com a minha mãe.

Se eu tivesse tido a oportunidade de terminar a escola, eu estaria em uma profissão regularizada, não negligenciada para o governo, sem preconceitos, ainda teria as minhas amigas de infância, que não falam mais comigo. Eu estaria dando uma vida adequada aos meus filhos, e eles dariam aos filhos deles, é um ciclo vantajoso para a sociedade.

Não consegue assistir ao vídeo? Clique aqui.

Mahya Baldacci

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