Estudo Temporal do Meio

No ano de 2281, a espécie predominante no planeta Terra, homo sapiens, teve quase que sua completa aniquilação. Nesse mesmo ano foi lançada uma majestosa nave transportando cinco garotos dotados de inteligência extraordinária, objetivando a restauração da raça humana no planeta Marte, que naquele momento já havia sido preparado para a possível chegada do homem. A missão foi bem sucedida. Após a chegada do homem a Marte, a humanidade foi dividida em duas eras: antiga e nova.

Meu nome é Jeremy Muscillir, nasci no dia 18 de março de 3975. Sou integrante do Programa de Investigação Temporal. Nosso ofício se resume em estudar distintas épocas temporais, com o objetivo de obter respostas para a queda da antiga era humana. Embora façamos parte de um grupo com mais de 100 cientistas, divididos nas mais distantes áreas cronológicas do processo de desenvolvimento tecnológico do homem, o trabalho nos torna incrivelmente solitários. Comigo, há apenas Claire, nome com que batizei minha máquina de transporte temporal, meu equipamento de análise e certa capital – incrivelmente fundamental para sobrevivência social na época que me encontro.

Hoje, dia 23 de outubro de 2009 segundo o calendário atual, registro o vigésimo ano da minha investigação nessa curiosa cidade portuária chamada Santos - onde se datam sobreviventes humanos apenas até o ano de 2089. Essas duas décadas foram mais que suficientes para finalizar a construção da minha tese sobre o agravamento na dificuldade de sobrevivência humana local, que é o objetivo primário dessa missão.

Estruturado em um acampamento meticulosamente escondido em meio à mata próxima à cidade, minha idéia foi primeiramente estudar os aspectos antropológicos e geográficos da região, para que pudesse ser descoberta uma ligação de fatos históricos e características geológicas com o declínio da espécie humana, pelo menos aqui. Entre diversos outros, o principal fato histórico registrado foi o rápido desenvolvimento da infra estrutura, que se justifica pela vasta implantação de linhas férreas e indústrias nessas áreas pelos séculos XIX e XX, resultando numa expressiva urbanização, o que faz do porto de Santos o maior e mais importante da América latina crono-localmente¹. Já em questões geográficas, registrei que como a cidade se localiza diante de uma grande encosta, os gases poluentes das indústrias locais se acumulam drasticamente sobre a vegetação, um fator importantíssimo para que algum impacto ambiental ocorra. Outra conduta humana que observei foi o desleixo dos cidadãos com questões ambientais: restos de alimentos, detritos, lixo sendo jogado em abundancia na tropo e na hidrosfera. Milhares de rústicos veículos sobre rodas despejam toxinas na atmosfera, transportando matéria prima retirada prejudicialmente da natureza e produtos feitos, à base dessa mesma matéria prima, em colossais fabricas que exigem um enorme desflorestamento para serem implantadas (como consta a imagem); e tudo isso para agradar uma pequena camada social. Sem dúvida, essa sociedade sabe do prejuízo à si mesma que ela causa. Falam, propõem idéias, imaginam, profetizam, no entanto, não agem de fato. Essa conduta certamente levou à catástrofe, não obstante, pois não estavam cientes do quão rapidamente o resultado disso tudo ia se manifestar.

Em conclusão, aqui, a relação homem-meio é quase que totalmente uma relação de negligência, e assim concretizo minha tese. O homem, cavando por ouro, acabou soterrado; não soube controlar, simplesmente, a própria presença.

Estou de partida, amanhã de manhã programarei Claire.

¹. Inventei. Como se pode deduzir, significa “nessa época”.

Nicolau Namo Spitale