sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Economia fora dos trilhos

Quando jovem, ainda morando na cidade de São Paulo, escutava com frequência meus pais conversarem sobre as facilidades que aquela ferrovia trouxera para o transporte de cargas da cidade para o litoral. Ficava fascinado.
Cresci imaginando como seria estar controlando um trem, viajando pela serra do mar. Fui atrás do sonho e me tornei, após várias etapas, num maquinista de verdade.
Era maravilhoso percorrer os trilhos que partiam de Jundiaí e desciam a serra até chegar ao porto de Santos, por meio de pontes e viadutos, transpondo riachos e abrindo cortes, fazendo a ligação entre o vale e alto da montanha, ultrapassando os 800 metros de altitude que os separavam.
Soube que começou a operar em fevereiro de 1867, após sete anos de construção.
O principal produto transportado na ferrovia era o café produzido nas fazendas do interior do estado. Além disso, servia também para trazer os produtos importados que chegavam nos navios.
Logo se tornou saturada, exigindo a construção de um segundo ramo, paralelo ao primeiro.
Em um dos pontos da serra, formada por granitos e que em alguns trechos se apresenta como escarpa, foi constituída a estação de Paranapiacaba (lugar de onde se avista o mar, em Tupi-Guarani), local onde os operários e técnicos acampavam e realizavam a manutenção dos trens e dos trilhos. Nascia ali um importante centro de comércio e de moradia. Foi para lá que me mudei.
Avistar o porto de Santos pela primeira vez, me causou espanto e emoção, pela sua grandiosidade. Com o passar dos anos, foi se ampliando cada vez mais graças à exportação do café, originário da África e introduzido no país em 1750.
Foi à época que mais trabalhei, vendo o comércio se expandir e a economia do Brasil crescer.
Quando tudo corria como planejado e eu crescia na profissão, ocorreu o inesperado. A quebra da Bolsa de Nova Iorque em meados de 1929, praticamente paralisando o comércio de café com o mundo.
Produtores e exportadores de café foram à falência e, com eles, foi reduzido o fluxo de trens pela ferrovia.
Mais tarde, com a retomada do crescimento da economia e o fim da Segunda Guerra Mundial, o transporte de cargas, principalmente petróleo, cresceu. Porém, a São Paulo Railway admitiu ser impossível, nas condições da linha, transportar mais que dois milhões de toneladas de cargas anuais entre Santos e São Paulo.
Criou-se, então, uma grave crise: sua capacidade de transporte. Agravada, ainda, em 1948, pela abertura ao tráfego da Via Anchieta. Imediatamente, esta estrada passou a ser campo de movimentação intensa de caminhões, que não só desviaram parte da carga que era transportada pela ferrovia, como debilitaram a economia da estrada de ferro, ferindo um de seus mais preciosos elementos de receita.
A concessão da São Paulo Railway terminou em 1946 e não houve acordo entre a companhia e o governo para sua renovação. A vila de Paranapiacaba e a ferrovia, que passou a se chamar Estrada de Ferro Santos-Jundiai, ficaram então sob o controle da União.
Na década de 50, muitas mudanças ocorreram, como a eletrificação da rede e a utilização do diesel e do óleo cru em substituição ao carvão. As máquinas antigas, os vagões e as locomotivas foram abandonadas nos pátios.
O término da concessão da São Paulo Railway é apontado por antigos moradores como o início da decadência da Vila. Com a desativação parcial do Sistema Funicular da Serra Velha, na década de 70, parte dos funcionários foi dispensada ou aposentada e outros foram contratados para cuidar do novo sistema de transposição da serra, construída com tecnologia japonesa e financiada por capital norte-americano. Em 1981, o Sistema Funicular foi totalmente desativado e o transporte de passageiros para Santos extinto.
Paralelamente, as rodovias que ligam a capital ao litoral foram construídas e o transporte de cargas realizado por caminhões, mais poluentes, ao invés dos trens.
Infelizmente, na minha opinião, a desativação de histórica e importante via de ligação entre o interior e o porto de Santos, hoje um dos maiores do mundo, retarda e encarece o frete, além de aumentar o tráfego de veículos na cidade de São Paulo.

Maurício Ponzoni

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