sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Malditas rodovias!"

Uma história de 77 anos de felicidade e desilusão; de mudanças bruscas e caminhos cruzados; de grande amizade e muito preconceito. Essa é a minha jornada. Chamo-me Manoel Carneiro da Rosa aliás, porém, sou mais conhecido como seu Tide lá na terra onde nasci, um lugarzinho localizado no município de Santo André, chamado Paranapiacaba. Sou homem negro, forte, músico, meio marceneiro, meio pedreiro, meio encanador, meio eletricista, meio mecânico, marido, pai e avô.Isso mesmo, meio marceneiro, meio pedreiro, meio encanador, meio eletricista, meio mecânico... hoje em dia faço de tudo. Tudo e mais um pouco para sustentar minha família.
Isso já foi diferente... ah... lembro-me como se fosse ontem: grandes rodas impulsionadas por extensas alavancas percorriam um caminho delineado por trilhos de ferro. Esses arcos sustentavam um conjunto de vagões, que por sua vez era movimentados por uma locomotiva localizada na parte frontal de toda a composição. Esse foi o ambiente de trabalho pelo qual dediquei 35 anos de minha vida... cuidava do manejo de máquinas ferroviárias... Bons tempos aqueles!

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O salário em espécie de um maquinista não era lá essas coisas. Ganhava o equivalente a 850 reais por mês, trabalhando dia e noite, de segunda a sábado. Todo esse esforço valia a pena. Bastava olhar ao redor e ver aquela natureza... a Mata Atlântica parecia um oceano e minha casa, um barquinho, completamente perdido no infinito.

Londres, Paria, Nova York... cidades globais, todas com sistemas ferroviários magníficos. Pessoas se deslocam com maior facilidade, menos gastos, assim como mercadorias. Esse simples fato pode gerar centenas de conseqüências muitíssimo favoráveis para nós, para o meio-ambiente e, é claro, para o nosso bolso.

O Brasil também já teve uma malha ferroviária... sinto-me orgulhoso de ter trabalhado nela – enquanto durou – mas, preferiu trocá-la por rodovias... milhares de rodovias.

Até hoje me pergunto o por quê dessa mudança tão absurda... nós tínhamos toso um sistema ferroviário (São Paulo Railway) baseado nas máquinas inglesas. As melhores do mundo!

Malditas Rodovias...!

As rodovias são, na minha opinião, uma das maiores causas de desmatamento da Mata Atlântica. Hoje em dia, furam até as montanhas para aqueles carros e caminhões insuportáveis passarem. Centenas de carros, centenas de caminhões... será que vão descobrir um jeito de colocar mais poluentes à solta por aí?

Com a ferrovia tudo era diferente... um trem médio transportava o equivalente a 13 caminhões por viagem, além de muitas, MUITAS pessoas.

Hoje em dia, seja a cidadão da capital ou do interior ele é obrigado a ter um carro. Faz parte do nosso dia a dia ir de lá pra cá e daqui pra lá individualmente. Antes de sair de casa até calculamos o tempo que levaremos no trânsito... um dia desses, espero estar vivo para ver, a cidade vai parar... se vai... talvez só assim as pessoas comecem a refletir... talvez...

Tem gente, o governo brasileiro inclusive, que pensa diferente de mim: pensa que a rodovia emprega mais pessoas, os caminhoneiros. Respeito a opinião, ela tem fundamento, porém, no meu caso e no caso de 90% dos habitantes de Paranapiacaba as rodovias apenas trouxeram miséria... a simples e verdadeira miséria. Miséria não só pelo dinheiro... já éramos pobres como maquinistas... miséria por destruírem nossas casas, nossa mata, nossa ar, nosso país.

Malditas Rodovias, deviam ser todas destruídas... pena que só árvores e alguns animais pensam como eu... não creio que tenhamos vantagens.

Hora de encarar a realidade... amanhã pego um ônibus para São Paulo. Nas mãos e nas malas nada. Como bagagem apenas os sonhos.

Gabriela Blasbalg

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