Filho de peixe, peixinho é, esse ditado parece feito para nós caiçaras que seguimos uma tradição e temos um modo diferente de viver das pessoas da cidade, mas mesmo assim é o nosso jeito e aprecio muito isso.
Moramos em uma humilde casa, que fica na parte mais baixa de uma montanha que dá de frente para o mar e pé na areia. Na ilha temos amigos, parentes... Moro com meu filho Joaquim, de oito anos, minha mulher Rosa e minha mãe Benedita, de 93 anos. Da nossa casa podemos ver a cidade de Santos e grande parte do porto. Não posso dizer que aprecio muito essa paisagem, pois vemos prédios e mais prédios, navios indo e vindo toda hora e cargas que atracam no porto, enquanto poderíamos estar vendo e apreciando as riquezas que a natureza nos oferece.
Os tempos mudaram, muitas coisas evoluíram e continuam evoluindo e os espaços também se modificam conforme essas transformações, até nós, caiçaras, fomos atingidos por essas mudanças. A dificuldade de pescar nessas águas é inexplicável, pois com o surgimento do porto sumiram os peixes nesta região. Então como eu e minha família vamos sobreviver sendo que a pesca é a base das nossas vidas? O nosso espaço foi invadido e sem permissão.
A fase de transição começou lá atrás quando meu bisavô ainda era vivo. As pessoas estavam empolgadas com essas transformações, com o surgimento do porto, das ferrovias, das indústrias, o desenvolvimento da cidade e o crescimento da economia. Parecia que só nos éramos contra aquilo tudo. A nossa existência depende da natureza e do que ela nos proporciona. O nosso trabalho daqueles dias em diante só piorou, mas minha família nunca abandonou a cultura e então porque é que eu havia de abandonar? Vivo como posso, como for possível.
Por que então não morar na cidade? A resposta é porque a vida lá para quem não tem nada (ou seja, dinheiro) é muito mais difícil do que aqui, e também seria um desrespeito com a tradição da família e o abandono do meu espaço do meu mar e da minha areia que valem mais que qualquer dinheiro desse mundo.
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Desde antigamente as pessoas da cidade – “do continente” como chamamos – não dão importância para nós e para o nosso modo de viver. Uma cultura inteira, uma tradição, uma família, uma vida, não podem ser jogadas fora ou esquecidas, simplesmente por causa da evolução, do desenvolvimento. É preciso conciliar as coisas e não simplesmente ignorar aquela que menos importa.
Portanto é preciso prestar muita atenção porque qualquer mudança que ocorre em nosso espaço atinge mais pessoas do que imaginamos.
Bianca Bunduki Schaefer
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