quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A técnica do Caiçara

Não há extensão plana despovoada, mesmo na mais agitada linha
dos costões voltados para o mar alto. As paredes brancas das
casas, alinhada
s geralmente com a frente para o mar, destacando-se
do verde escuro das árvores agr
upadas ao redor e refletindo-se em
dias ensolarados na água do mar, eis uma associação inseparável de
elementos caracterizadores da orla cost
eira. (França, 1954)



O termo caiçara tem origem no vocábulario Tupi-Guarani caá-içara, que era utilizado para denominar as estacas colocadas em torno das tabas ou aldeias, e o curral feito de galhos de árvores fincados na água para cercar o peixe. Com o passar do tempo, passou a ser o nome dado às palhoças construídas nas praias para abrigar as canoas e os apetrechos dos pescadores e, mais tarde, para identificar o morador de Cananéia. Posteriormente, passou a ser o nome dado a todos os indivíduos e comunidades do litoral dos Estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. O gênero de vida caiçara combina a agricultura de subsistência, baseada na mandioca e a pesca.

Historicamente, a formação das comunidades caiçaras só pode ser entendida no contexto da ocupação do litoral brasileiro e dos ciclos econômicos vividos pela região sul/sudeste. O caráter predominantemente agrícola de nossa colonização fez que as terras férteis, úmidas e quentes das baixadas fossem as mais ocupadas, inclusive graças à facilidade de escoamento dos produtos para o exterior. Formaram-se então aglomerados grandes e médios, como por exemplo a cidade de Santos Que teve grande participação no ciclo do café. E é sede hoje do maior porto do Brasil.*


Eu, pessoalmente, observei as mudanças do porto bem de pertinho. Sou um caiçara, vivo na margem do canal que é oposta ao porto. Nasci em 1919, e desde então os enormes barcos me encantavam. E dessa data o porto se desenvolveu em grande escala, assim como a sociedade captalista, mesmo que diretamente não faça parte dela,vi,vivi ,senti e refleti sobre ela a vida inteira. Quando eu era pequeno o café estava no seu auge. Quando jovem meu passatempo predileto era observar aquelas grandes maravilhas passarem bem diante de meus olhos. Passava horas deitado na rede, imaginando a vida do outro lado da margem. Por volta de 1940 percebi uma queda na circulação de mercadorias. Depois disso o porto nunca mais foi o mesmo. Os navios eram maiores, os contêineres em maior quantidade, e o porto crescia, crescia e crescia. O número de navios aumentava e o porto precisava de novos recursos. Guindastes cobriam o céu antes coberto por estrelas. As águas estavam mais movimentadas e turvas. Os poucos peixes fugiam. E hoje o porto importa e exporta mercadorias de todo o mundo.



O porto mudou, e muito, mas a minha pequena aldeia continua a mesma. O fato de o porto ter crescido influenciou no modo como a minha sociedade vive, mas nossa sociedade não modificou nada na vida deles. Nós seguimos, hà gerações a tradição de agricultura e pesca para satisfazer nossas necessidades. Mas o nosso direito de pesca foi tomado, os peixes são poucos, mas e possível viver. Mesmo com o mundo inteiro mudando a nossa volta, continuamos seguindo a mesma cultura. Utilizamos as técnicas de nossos ancestrais para fazer barcos, casas, cozinhar e pescar. Nossa sociedade funciona do mesmo jeito há anos e não sentimos a necessidade de progredir.

Em contraposição, os capitalistas a cada ano, mês, dia, hora, modificam suas técnicas para progredir economicamente, socialmente, materialmente, tecnologicamente e politicamente. Claramente existe uma grande diferença, em diversos aspectos dessas sociedades.

Uma progride a outra não. Afinal a questão é: devemos ou não progredir? A maioria das pessoas responderia: Não devemos progredir muito nem deixar de progredir. Devemos progredir na medida do necessário. Eu não penso assim. Como vimos acima, não é necessário progredir. E o que acontece atualmente na sociedade captalista é a progressão radical, para a melhoria de vida da sociedade. O que acredito é que as sociedades não dependem de progresso, elas têm toda uma estrutura baseada em história, cultura, economia, infraestrutura, localização, dentre outros fatores interligados à formação dessas sociedades que interferem no modo como são hoje e como serão no futuro. O que quero dizer é que o modo como se desenvolveram no passado indica como se desenvolverão hoje. A minha sociedade não se desenvolveu no passado e nem atualmente e a sociedade capitalista vem se modificando e aprimorando desde sempre. Na minha opinião esses dois contrastes só existem, pois se baseiam em um mesmo conceito: técnica. Os caiçaras utilizam as mesmas técnicas desde sempre, e sua técnica foi estudada no passado e pode ainda ser utilizadas hoje, pois os caiçaras continuam morando nos mesmos lugares, fazendo as mesmas tarefas, seguindo as mesmas tradiçðes. Os capitalistas, ao contrário, aprimoram as técnicas do passado para continuarem evoluindo.

* Dados retirados de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77012000000100005&script=sci_arttext

Julia La Colla

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